O Reino do Amanhã ou o Apocalipse segundo Alex Ross
O Reino do Amanhã é considerada como uma obra prima dos quadrinhos, principalmente em se tratando do período negro para os quadrinhos em que foi lançada (década de 1990) e foi um claro "nós podemos também" da Dc Comics após o sucesso da maravilhosa série "Marvels".
Na história escrita por Mark Waid e ilustrada por Alex Ross há referências claras a história em quadrinho mais influente e revolucionária já lançada: Watchmen, além de muito se falar de que "O Reino Amanhã" é apenas a versão do Mark Waid para o roteiro escrito por Alan Moore, e rejeitado pela editora, intitulado "O Crepúsculo dos Heróis".
Sim, você encontra em "O Reino do Amanhã" algumas referências ao roteiro do Moore, mas se você puder ler os dois perceberá que verdade ocorre apenas uma inspiração por parte de Waid e que na minha opinião a pessoa por trás de todo o desenvolvimento de "O Reino do Amanhã" é o artista Alex Ross.
Logo na primeira páginas temos uma citação ao versículo 16:18 (Houve, então, relâmpagos, vozes, trovões e um forte terremoto. Nunca havia ocorrido um terremoto tão forte como esse desde que o homem existe sobre a terra.) do Apocalipse ou O Livro das Revelações, nome este que faz mais sentido ao que ocorre na minissérie. Quando se lê o versículo posterior ao 18, vemos que a referência às escrituras Sagradas são mais profundas: Apocalipse 16:-19 - A grande cidade foi fracionada em três partes, e as cidades das nações se desmoronaram. Deus lembrou-se da grande Babilônia e lhe deu o cálice do vinho do furor da sua ira.
Alguns interpretam o fracionamento da grande cidade como a derrota total da cidade de Jerusalém, mas colocando no contexto de "O Reino do amanhã", vemos três divisões bem distintas:
- Os "novos heróis" totalmente sem escrúpulos;
- Os cidadãos inocentes; e
- O retorno dos velhos heróis.
Ao meu ver, todas as citações bíblicas remetam a trindade da Dc Comics e estrela da minissérie (Batman, Mulher-Maravilha e Super-Homem). Tanto que na sequencia das páginas temos uma águia lutando com um morcego - onde a águia seria o Super-Homem e o morcego não requer explicação - e que antecipando a discórdia que haverá entre os dois no decorrer da história.
Os setes anjos. |
Daí em diante somos apresentados ao personagem Wesley Dodds, o Sandman (que você pode baixar AQUI as revistas) moribundo, em uma cama de hospital conversando com um amigo chamado Norman McCay, que posteriormente é mostrado como uma pastor que anda descrente de sua fé. No hospital, Dodds fala sempre nas revelações que seus sonhos mostram e nas vozes que escuta e todos deveriam ficar alertas ao temido Apocalipse ou o fim dos tempos. Após sua morte, ninguém mais ninguém menos que o Espectro aparece para o pastor e assim começa a saga.
O Espectro merece um destaque:
Criado por Jerry Siegel, o mesmo criador que do Super-Homem. Siegel era judeu (assim como Joe Shuster) e criou o Super-Homem como sendo o Messias enviado por Deus. Muitos falam que o Super-Homem foi feito como uma cópia de Jesus Cristo, mas isto feriria totalmente a crença de Siegel.
Entretanto, Siegel não era dos mais "religiosos" e com isso criou Lex Luthor como sua versão (física ao menos) igual a Aleister Crowley. Pra quem não sabe, o que virou Lex Luthor era na verdade a versão original do Super-Homem e sim, Jerry Siegel sofreu influência dos escritos de Crowley e de outros ocultistas bastante famosos na época (Curiosidade, acesso as minhas opiniões sobre o livro "Nossos Deuses são Super-Heróis").
A prova da fidelidade às suas origens judaicas é justamente O Espectro. Um policial (Jim Corrigan) que é assassinado e seu espírito é proibido de entrar no paraíso e é mandando de volta à Terra pela entidade chamada "A Voz" (forma muito comum de representação de Deus no velho testamento, que tanto os judeus quanto os cristãos compartilham) para eliminar toda a maldade do mundo como o espírito de vingança.
A trama é até relativamente simples: Super-Homem se aposenta após um ataque do Coringa ao Planeta Diário, onde mais de vinte pessoas são assassinadas e entre elas Lois Lane. Super-Homem fica passivo ao ver o Palhaço do Crime sendo apenas preso.
Após a "passividade ", Magog resolve as coisas do "jeito que tem que ser": mata o Coringa e é julgado e inocentado. Isso faz com que o Super-Homem entre em reclusão e desapareça "para todo o sempre".
Magog - a "homenagem" |
1. O Magog tem um olho cego (direito) e o Cable tem o olho esquerdo brilhante, ou seja, os olhos dos dois são "brancos";
Cable - O "homenageado" |
Após anos de reclusão, a Mulher-Maravilha procura um velho (e fortudo) fazendeiro para que ele volte a ativa e assim ajude os demais heróis remanescentes da velha guarda a resgatar a a mundo dos "heróis". Sim, entre aspas!
O heróis de que estavam em atuação eram o equivalente a terceira geração de heróis, mas totalmente sem pudores e cuidado com a população. Tornaram-se violentos e verdadeiras ameaças ao povo, graças à influência de Magog, ironicamente chamado de "O Homem do Amanhã".
Em um das batalhas entre "heróis" e "vilões", o Parasita provoca uma fissão no Capitão Átomo, que explode dizimando totalmente o Kansas, transformando-o em um deserto radioativo. Isso faz com que o Super-Homem volte a ativa.
Magog para quem não sabe é um nome bíblico, mais precisamente do livro de Ezequiel, onde Ezequiel profetizou sobre a vinda de um terrível rei, Gogue, da terra de Magogue, para opor o povo restaurado de Deus. Os capítulos 38 e 39 descrevem a preparação dos exércitos que apoiaram Gogue, o seu ataque contra o povo de Deus e a sua repentina derrota por Deus. As nações que iam participar com Gogue na batalha representam diversos povos gentios. É interessante notar que a maioria desses nomes vem de Gênesis 10, das listas de descendentes de Jafé e Cam. Nenhum deles se encontra na lista dos descendentes de Sem.Ah! Ia me esquecendo, Magog é comparado ao bezerro de ouro que foi venerado durante o Êxodo (Êxodo 32:4 - Ele os recebeu e os fundiu, transformando tudo num ídolo, que modelou com uma ferramenta própria, dando-lhe a forma de um bezerro. Então disseram: "Eis aí os seus deuses, ó Israel, que tiraram vocês do Egito!"), quando Moisés foi à montanha falar com Deus e ficou lá um período. Quando voltou ao acampamento deparou-se com seu povo adorando o bezerro de ouro. Isto, segundo o próprio Alex Ross
Em Apocalipse o texto refere-se às profecias de Ezequiel (Cap. 38 e 39) que alertam que após o início do Reino Messiânico (Ezequiel 38.8), a Terra Santa seria atacada por Gogue, líder da nação Magogue [Associado com Meseque e Tubal, Persa, Cush, Pute, Seba, Dedã, Társis e Togarma conforme Ezequiel 38.2,5-7)]. Isso acontecerá para que as nações conheçam e respeitem a autoridade e santidade do Senhor (Ezequiel 38.16; 39.7).
Numa analogia bem simples: Magog e Lex Luthor são uma representação de Gogue e ambos representam simbolicamente os ímpios que lutarão (e comandarão) os exércitos contra o o povo de Israel e contra o próprio Deus, ou seja, contra os velhos heróis (Batman, Jordan, Mulher-Maravilha, Esmaga Átomo, etc) e contra o Super-Homem.
Após Magog render-se, Super-homem e companhia constroem uma presídio para poderosos que passa a ser chamado de Gulag (que para quem não sabe era uma agência que comandava os campos de trabalho forçados a extinta URSS e que teve seu nome associado aos campos de concentração). Apenas os que não concordavam os "métodos super-homem de ser" iam presos. - Agora vocês sabem de onde o Mark Millar se inspirou para a Civil War hehe
Lógico e qualquer idiota poderia ver claramente (Groo rules!) que prender pessoas superpoderosas em um lugar fechado seria o mesmo que criar uma bomba com poder de destruição semelhante ao poder contido, menos o Super-Homem.
O Gulag |
Quem viu isso foi Lex Luthor, que junto com seus "sócios para uma humanidade decente" ludibriou o pobre Billy Batson e com ajuda de alguns vermes do finado Dr. Silvana dominaram a mente do humano mais poderoso da terra e o único que poderia realmente acabar com o Super-Homem.
Aos que não sabem, Billy Batson é o alter ego de SHAZAM, um personagem criado em 1940 por Bill Parker C. C. Beck, dois autores de quadrinhos que tinham muita influência do ocultismo que imperava nos pulps e quadrinhos desde meados do século anterior. Shazam é um acrônimo que signfica:Bom, após a explosão da guerra após o gulag ser destruído, nós pobres humanos, decidimos após uma reunião da ONU jogar uma mega-ultra-power-destrutiva bomba atômica na cabeça do heróis e ex-gulaguianos na tentativa de acabar com a briga e salvar a raça humana e a própria terra. Enquanto o caça voava rumo à batalha final carregando a solução final para a guerra, Capitão Marvel massacrava o Super-Homem falando em tons sádicos e com sorrisinho a palavra Shazam!, fazendo com que trovões (que transformam Batson em Marvel) caiam sobre o Super-Homem.
Salomão (sabedoria),
Hércules (vasta força física),
Atlas (resistência, invulnerabilidade),
Zeus (poderes mágicos),
Aquiles (coragem)
Mercúrio (velocidade, capacidade de voo).
Ou seja, o personagem que mais mistura mitologias e religião já criado: Salomão (judaico/cristão), Hércules (mitologia grega), Atlas (mitologia grega), Zeus (mitologia grega), Aquiles (mitologia grega), Mercúrio (mitologia greco-romana).
Após ser avisado da bomba, Super-Homem aproveita os milésimos de segundo entre um trovão e outro (ele é rápido que um raio) e segura a boca de Batson (antes de se transformar novamente em Marvel) e explica que ele (Super) precisa deter a bomba para que a humanidade sobreviva e que estava em com ele (Batson) decidir se permitiria ou não a humanidade morrer.
Em uma ato de bravura e sacrifício, Super parte em direção a bomba, quando escuta mais uma vez Batson pronunciar a palavra mágica e lançar Super-Homem de volta ao solo e com isso voar, segurar a bomba e provocar a explosão com mais um trovão após pronunciar a palavra Shazam!. O que o roteirista deixou bem claro, foi a citação "E quando ele grita... Sete trovões se pronunciam", referindo a passagem bíblica de Apocalipse 10:3, citado anteriormente.
Santa reunião. |
salvação da humanidade. Aos invés disso, sacrificaram o humano mais poderoso, o que mostra justamente a crença de Ross na Bíblia, já que antes do retorno de Jesus (Super-Homem) haverá guerras, mortes, violência indiscriminada e após a segunda vinda de Jesus (o retorno de Super-Homem após seu retiro) haverá paz.
Santa Ceia ou The Last Supper |
Um ponto bastante claro em toda a história é a onipresença do Espectro e Norman McCay. Essa onipresença sem influenciar em nada nas atitudes dos personagens pode ser considerado como uma referência a Deus, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. Em ambos, Deus apenas observa seus filhos e em alguns momentos ele entra em contato com apenas um escolhido.
Em "O Reino do Amanhã", McCay fica "invisível" a todos até o momento em que o Flash, que não é mais "estático" e sim um "ser vibracional" que oscila entre as realidades/dimensões o enxerga e traz à realidade.
É McCay que faz com que o Super-Homem renove sua crença em tudo que deixou para trás ao se aposentar: “No minuto em que tornou o super mais importante que o homem… Quando decidiu dar as costas à humanidade… isto lhe custou seu instinto. Sua capacidade de julgar.” Norman McCay é a personificação perfeita do ser humano (um pastor) que perde sua crença na santidade e nos super-heróis, como foi exposto no início da minissérie, e que foi preciso encontrar o maior de todos os super-heróis (Super-Homem/Jesus) para voltar a acreditar em tudo que havia deixado de crer.
Um dos pontos mais conflitantes coma teoria bíblica presente em "O Reino do Amanhã" é a morte do Capitão Marvel/Shazam e não do Super-Homem, já que este é sempre comparado a Jesus. o detalhe é o Super-Homem não é humano e sim um alienígena. Jesus era humano, mas filho de Deus. Capitão Marvel/Shazam é humano e tem seus poderes derivados de deuses, ou seja, a segunda vinda não foi exatamente do Super filho de Deus e sim de um humano como Jesus foi e se sacrificou para salvar a humanidade.
Siegel e Shuster eram judeus e Super-Homem não era uma forma de representação de Jesus, pois judeus não acreditam em Jesus. Logo, o Super-Homem foi criado como sendo o enviado de Deus que os judeus até hoje esperam e com isso, Waid e Ross pegaram o humano mais poderoso da terra e o sacrificaram, assim como Jesus se sacrificou por nós.
Alex Ross é filho e um pastor luterano e isso pouca gente sabia na época e que até hoje pouca gente sabe. Todas as obras que Ross está envolvido há uma tonalidade religiosa, seja no roteiro ou na arte, e em "O Reino do Amanhã" isso fica bem claro.
Uma curiosidade final: o Reverendo Clark Norman Ross é pai do Alex Ross, que utilizou o nome do meio do seu pai para batizar o personagem central de toda a série além de usálo como modelo para o personagem.
Aos que gostaram da matéria, amanhã terá Especial Alex Ross com várias revistas desenhadas e escritas por ele.
Você pode baixar a revista no link abaixo.
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