Muito se é falado sobre o modo Stan Lee de fazer quadrinhos, chamando para sua responsabilidade os diálogos e delegando para a equipe (Ditko, Kirby e cia.) todo o restante - inclusive tramas principais. Mas alguém já se perguntou se esta foi a maneira encontrada por ele para conciliar simultaneamente as funções de quadrinista e as outras que fizeram a máquina continuar funcionando? O homem encarnava o empresário e não parava quieto, e já vi muito empresário de carreira tomando ideia de empregado como se fosse sua em brainstorms da vida sem conceder os devidos créditos aos autores - algo do qual não se pode acusar Stan Lee, que editorialmente nomeava os co-autores das empreitadas criativas (antes as HQs nem possuíam créditos). Diferentemente de um Rob Liefeld, que, perguntado sobre a criação de Deadpool, diz que Fabian Nicieza ganhou na loteria quando “foi escolhido”.
Pegue as principais criações de
Stan Lee e veja o empoderamento das minorias (o negro Pantera Negra, o manco
Donald Blake/Thor, o cardíaco Tony Stark/Homem de Ferro), excluídos (mutantes
em geral) e rejeitados da sociedade (o nerd Peter Parker, quando nerd ainda era
quase um palavrão) - uma sutil ironia linguística quando se percebe que a
palavra aqui utilizada perpassa o campo social e se encaixa na estrita literalidade
do termo: dar poderes, adquirir poderes. “Ah, mas o Capitão América foi criado
para impor culturalmente os ideais dos Estados Unidos” - ouvi num reduto geek; ao que
pacientemente explico que o assim chamado “bandeiroso” pelo Homem-Aranha não
foi criação de Stan apesar deste ter atuado no ramo militar. E se fosse, qual o
problema, queremos empoderar os excluídos excluindo outros? Stan Lee humanizou os heróis, trouxe-os do panteão dos semideuses.
Enquanto os artistas se empenhavam
no seu fazer artístico, Stan fazia a necessária ponte com os fãs. Numa época sem internet, celular e redes
sociais (acreditem, este era exatamente o cenário de 25 anos atrás - e aqui
estamos falando especificamente da década de 60), o visionário chamava seus fãs
em qualquer media que se apresentava disponível - rádio, jornal, editorial,
seção de cartas; ele estava lá, a gritar Excelsior,
“Atenção, todos que creem” etc. consolidando
uma base de fãs que se acumulavam com o
passar dos anos e fazia a publicidade espontânea do arsenal de personagens de Lee e cia. E assim foi até os 95 anos, quando nem sua mão trêmula e reveladora
de sua frágil saúde inibia a assinatura de um sem número de autógrafos por ano,
em convenções, entrevistas e encontros em geral, chegando ao cúmulo de Stan clamar
por um basta nesta atividade banalmente explorada.
Stan Lee nunca desistiu de “vender”
seus personagens para outras mídias. Gerava alguns produtos ridículos? Gerava. Gerava
produtos constrangedores? Também. E só quem é um pouco mais velho e via antigas adaptações dos personagens Marvel sabe do que estou falando. Mas diz
a sabedoria popular que a persistência é o melhor caminho para o êxito, e, hoje
temos um gênero de filmes que especialistas revelam ter salvo a indústria do
cinema no começo deste século, e que ainda hoje é responsável por garantir o
ganha-pão de milhares de salas de cinema pelo mundo fora, numa era em que o streaming
está popularizado, o marasmo criativo consolidado e o custo de vida cada vez
mais alto. Filmes que facilmente entram nas listas de maiores bilheterias de
todos os tempos mesmo que os enredos sejam mais ou menos previsíveis pelo
público que leu quadrinhos. [Procure Stan Lee aqui].
Se você leu algum livro, matéria
ou reportagem com a história pregressa de Stan Lee e que detalhava episódios controversos (principalmente
em relação a autorias de personagens - era o works made for hire, diacho) e ficou com raiva do quadrinista,
baixe essa guarda, meu jovem Padawan. Todo grande nome envolvido em grandes meios, tomando a
dianteira em todos eles e sendo protagonista de uma infinidade de situações sofrerá
questionamentos em relação ao que fez ou deixou de fazer. O importante é
compensar as falhas que todos temos com um número igual ou maior de acertos, como
uma fita de vídeo na qual se apaga os registros que ficaram ruins gravando bons
por cima. No final são seus acertos que serão lembrados e ganharão relevo. E
isso Stan Lee fez, e quiçá ainda fará muito, sendo registrado ad infinitum em forma de cameos digitais nos filmes que ainda virão. Excelsior!
ED
Com grandes poderes vem... ah, você sabe!
3 comentários:
Se esse ano o Marvel Studios completou 10 anos foi poque o Stan Lee se mudou de Nova York pra "assessorar" um novo escritório e assim dar o ponta pé inicial no que viria as primeiras empreitadas da Marvel no mundo da animação (ou desanimações como costumam chamar), que com muita persistência gerou o clássicos, trash diga-se de passagem, que foram o embrião do Universo Cinematográfico da Marvel.
Não esqueçamos do Avi Arad, que salvou a Marvel de fechar nos anos 90 e que com muita insistência produziu a trilogia do Raimi do Cabeça de Teia.
Ah!
O Stan tá atrás do Feige
Correto, Master. Sábios acréscimos.
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